Atravessar a depressão é encontrar um novo lugar onde é possível viver dentro de nós
- Luciana Borges
- 13 de nov. de 2023
- 3 min de leitura
“O verdadeiro lugar de nascimento é aquele em que pela primeira vez lançamos um olhar inteligente sobre nós mesmos”. Marguerite Yourcenar
“Para que a psicanálise seja eficaz, é necessário que quem se analisa reúna as seguintes características: que sofra, que não suporte mais sofrer, que se interrogue sobre as causas de seu sofrimento e que tenha a esperança de que o profissional que vai tratá-lo será capaz de livrá-lo de seu tormento”. J.D. Nasio

Lembro quando lá atrás no início dos meus 20 anos eu procurei a psicanálise pela primeira vez. Eo que eu disse para a minha primeira analista foi: não está acontecendo nada, eu vim porque eu acho importante a gente se conhecer. Por trás daquela fala tinha muita coisa. A recusa que eu tinha de admitir que havia um monte de questões mal resolvidas dentro de mim. E, além disso, a ignorância sobre os percursos que a minha vida tinha tomado para que eu me encontrasse ali naquela sala e naquela momento. Não era ignorância sobre os acontecimentos da minha vida - eu não sofria de amnésia nem nada disso. Mas eu não tinha ferramentas para dimensionar o quanto a minha trajetória marcou a minha personalidade e as defesas que eu fui construindo ao meu redor para não entrar em contato com as minhas dores. Ao longo dos anos, eu fui ganhando a capacidade de dialogar comigo mesma. Sim, eu aprendi a me conhecer melhor, como eu disse inicialmente para a minha analista. Mas isso só foi possível porque um monte de coisa que eu deixei trancada para fora daquilo que a minha mente considerava aceitável pôde, aos poucos, ganhar um lugar dentro de mim. Fazer as pazes com as minhas dores. Aceitar que a minha forma de funcionar no mundo também vinha de traumas e vivências não elaboradas. A partir do momento em que ganhamos a capacidade de nos entender, levando em conta esse mar desconhecido do nosso inconsciente a vida atual ganha uma nova dimensão. Poderíamos dizes, um novo nascimento.
Poderíamos fazer uma analogia parecida com o processo da depressão. A depressão não é uma simples tristeza, apesar de ser o sintoma mais conhecido. Esse transtorno envolve uma complexidade de sinais que perpassam aquele que sofre - o mundo passa a ficar cinza, as coisas deixam de ter sentido, os caminhos vão se reduzindo até parecer que não sobrou mais nenhum.
Essa analogia poderia ser utilizada para pensar que o mesmo acontece no nosso cérebro durante a depressão. Os circuitos internos se estreitam e hoje já é provado que a quantidade de sinapses que ocorre no sujeito deprimido diminui drasticamente. Não são só os caminhos externos que se estreitam, mas a pessoa vivencia internamente uma experiência de não-possibilidades. E aí é natural a pergunta: pra quê continuar então?
O interessante é que sabemos também que, da mesma forma que há uma descompensação química responsável por esse rebaixamento do humor e pela sensação de falta de perspectivas no indivíduo deprimido, hoje já foi estabelecido que o trabalho psicoterapêutico refaz a organização psíquica do indivíduo de forma que o uso da linguagem e do corpo em direção à compreensão e transformação de si modifica da mesma maneira a produção química e os circuitos neurais da pessoa. Novos caminhos serão criados em meio ao deserto de dor e nada.
O inconsciente passa a ganhar camadas de flexibilidade e novas possibilidades de criação de si. Por isso contei a história sobre o meu início de análise. Porque, assim como eu precisei renascer dentro de mim ao visitar as minhas dores lá atrás, o sujeito com depressão também passará por um processo de atravessamento de si para se perceber de uma nova forma. Uma forma onde a vida não só é possível, mas desejada. Com todos os desafios que ela tem. Agora com força, consciência e possibilidades para lidar com as dificuldades que vêm de dentro e também de fora.